É inegável o fascínio dos mais novos com as novas tecnologias, particularmente com os telemóveis, que cada vez mais ocupam o seu tempo parecendo enfeitiça-los todos irremediavelmente. Os especialistas defendem a redução do tempo de ecrã tanto como uma questão de prevenção de problemas visuais ou de futuros sedentários, que afectam a saúde física, mas também o quão essencial é o controlo parental nesta “cruzada” para garantir um saudável crescimento e desenvolvimento cognitivo e relacional das suas crianças.
André Carrilho, em 2020, editou o livro A Menina com os Olhos Ocupados centrado nessa mesma temática, onde uma menina caminha pelas ruas de uma cidade, com os olhos presos ao telemóvel e alheada do mundo maravilhoso que “corre” à sua volta. Com uma carreira maioritariamente ligada ao cartoon, no qual é mundialmente conhecido pelas suas visões críticas e acutilantes da realidade mundial e a coragem de colocar “sempre” o dedo na ferida à qual a sua arte é mais necessária, decide agora entrar noutro mundo bem diferente, o do cinema de animação com a adaptação do seu livro, com o mesmo nome, no formato de curta-metragem.
A menina surge com a sua camisola às riscas vermelhas e brancas e calções azuis, com um ecrã gigante à sua frente e as situações vividas no livro vão sucedendo-se pela ordem prevista e esperada. Quem é familiar com o livro já terá uma ideia do que contar, no aspecto visual, mas ver o livro ganhar movimento é o que o torna tão especial. Onde esta curta-metragem parece transcender a sua origem é na decisão de pintar a história à medida que se desenrola a acção, de diferentes maneiras. Como um pincel invisível que parece desenhar linhas e o background, ao preencher os espaços em branco de cada personagem, cenário ou situação pintando-o em borrões de tinta, aparentemente caindo na tela de cinema de muito alto no céu como pingas de chuva, e que dão a este projecto de animação uma identidade muito própria e deveras apelativa. Este constante e frenético preenchimento do ecrã, carregando-o de combinações e tons de cores inesperados mas belíssimos, revela o processo artístico do autor André Carrilho, em todo o seu esplendor e dá um dinamismo e ritmo impressionante à história. Como qualquer fábula infantil que se preze é simples e directo ao assunto, não perdendo tempo com desvios à lição que pretende transmitir ou com distrações desnecessárias. Apesar de dirigido a um público bem distinto do seu trabalho de cartoonista tudo continua a fazer sentido no universo criativo de André Carrilho, ao continuar a colocar o “dedo na ferida” de algo que considera importante, mas ciente da linguagem ideal para o fazer, revelando uma sensibilidade tocante.
A Menina com os Olhos Ocupados introduz André Carrilho ao mundo do cinema de animação com pompa e circunstância. Com um dinamismo e apuro artístico indiscutível o realizador consegue revelar, nesta fábula dos perigos do mundo moderno actual, como é importante mostrar às crianças a beleza do mundo para lá dos ecrãs e da responsabilidade dos pais em o limitar. Retirar todo este sumo em meros 8 minutos só augura um futuro igualmente risonho a André Carrilho neste meio do cinema.