A Hero (2022)

de Pedro Ginja

O que determina uma boa acção? Será que o acto em si é suficiente para quem o pratica e para quem beneficia dele, ou o mundo tem algo a dizer sobre isso? Vivemos num mundo atento e online para tudo o que é dito e feito, sempre pronto a louvar mas também condenar, literalmente, de um segundo para o outro sem esperar pelos factos ou mesmo sem interesse pelo que é verdade ou mentira.

É para este mundo da opinião pública (cada vez mais pública no mundo actual), que A Hero de Asghar Farhadi nos remete. Acompanha Rahim Soltani (Amir Jadidi) na prisão por causa de uma dívida não saldada, em busca de perdão do seu credor enquanto sai, em licença por 2 dias, procurando convencer o mesmo a retirar a queixa por pagamento de parte da quantia. Infelizmente as coisas não correm como esperado. 

A Hero estreou no festival de Cannes, a 13 de Julho de 2021, acabando por ganhar o Grand Prix, o prémio mais importante logo a seguir à Palma de Ouro. Após esta estreia auspiciosa, muitas mais indicações e prémios se seguiram em vários festivais internacionais de cinema, culminando na pré-seleção dos Óscares para Melhor Filme Estrangeiro. Acabou por não ser incluído na lista final de nomeados, mas tal não belisca a qualidade apresentada no grande ecrã.

Farhadi continua a ser um realizador de sentimentos, do dia-a-dia comum dos cidadãos e das limitações que nos tornam humanos. No centro da história, uma boa acção transforma-se em sinónimo de sofrimento e vergonha. É a honra pessoal de Rahim Soltani pela qual ele luta e o principal motivador para conseguir uma vida melhor para si e para os seus, personificado no seu filho Siavash (Saleh Karimaei – surpreendente na sua estreia com camadas de complexidade e intensidade). É por ele o sacrifício e é, ele também, o catalisador para o final da história.

Originalmente Farhadi queria actores estreantes em todos os papéis, uma espécie de documentário da vida real, misturando ficção e documentário, tornando-o assim mais real. Rapidamente percebeu que o papel de Rahim exigia um actor de créditos firmados pois o papel era “a história de um homem simples numa situação complexa”, como o próprio afirmou. Em boa hora viu Amir Jadidi em Cold Sweat (2018) de Soheil Beiraghi, e descobriu o seu Rahim em Jadidi, pela subtileza com que interpretou um homem perdido no seu orgulho, vingativo e sem escrúpulos. Rahim seria bem diferente, uma antítese desta personagem, mas durante os ensaios, em plena pandemia, trabalharam a personagem com tempo e o filme ganhou com isso.

Amir Jadidi encarna o homem comum, simples, de bom coração, que lentamente descamba numa raiva cheia de complexidade e ambiguidade, bem visível na maneira em que o seu sorriso e linguagem corporal se transformam em algo não desejado mas inevitável. O próprio sentido de honra de Rahim sofre uma mutação em que a mentira e verdade se confundem, até perderem o seu significado, deixando o espectador “sem chão”, desesperado por poder “saltar para o ecrã” e ajudar a família Soltani. Tal entrega em quem vê só é possível devido à interpretação de Jadidi assente no olhar, no sorriso e na sua incessante busca na recuperação da honra perdida. Não me admirava se as portas de Hollywood se abrissem para este grande talento. E quando ao início parece haver um vilão, na pessoa de Bahram (Mohsen Tanabandeh – actor amador a tornar a realidade mais palpável, cumprindo o objectivo final de Farhadi), este revela-se a maior vítima fruto da pressão online para salvar o “herói”. O verdadeiro vilão acaba por ser a opinião pública, acusadora quando a dúvida se instala corroendo a verdade e carrasco, sem perdão, mesmo sem prova de culpa. Estranho mundo este em que vivemos, em que fazer o bem carece de confirmação e o mal está à distância de um comentário na internet.

Farhadi traz-nos um retrato realista da vida actual no Irão, mas não restringido apenas a esse pequeno mundo pois os paralelos com a nossa vida são facilmente estabelecidos. Vivemos num mundo global, sempre “ligado” e preparado para “atacar” sem provocação, e é duro ver Rahim e a família sofrerem sem podermos ajudar. Não é novidade que Farhadi é um realizador de sentimentos fortes, ambiguidade e tensão, e este filme apenas confirma o caminho que sempre trilhou. Não chega aos níveis de qualidade da sua obra-prima A Separation (2011) mas fica muito perto. 

4.5/5
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