A Different Man apresentou-se com uma divulgação discreta e com poucas datas de estreia definidas. No entanto, conseguiu conquistar algum destaque dentro do circuito dos festivais de cinema. Escrito e realizado por Aaron Schimberg, o filme junta Sebastian Stan e Adam Pearson numa comédia negra que confronta o espectador com o desconforto em torno da desfiguração facial.
A história começa por mostrar o impacto que a neurobromatose tem na vida de Edward (Sebastian Stan), não só no seu dia-a-dia, mas também na sua personalidade e na forma como se relaciona com os outros. A Different Man faz o retrato de um homem que se sente excluído e reprimido pela sua condição, até que a sua nova vizinha, Ingrid (Renate Reinsve), desafia as suas expectativas. Ao contrário daquilo que está habituado, ela não se mostra incomodada pelo seu aspeto e quebra as barreiras físicas e emocionais que o próprio cria à sua volta. Incapaz de lidar com a aproximação, Edward decide submeter-se a um tratamento experimental que promete eliminar todo o inchaço e as protuberâncias do seu rosto. O procedimento funciona e isso leva-o a criar uma nova identidade: muda de casa, de nome, de profissão, afastando-se da sua antiga vida até ao dia em que volta a encontrar Ingrid e descobre que ela escreveu uma peça de teatro sobre ele. A partir desse momento, Edward desenvolve uma obsessão pelo ator que o interpreta, Oswald (Adam Pearson), que, apesar das semelhanças físicas, não podia ser mais diferente dele.
O filme tem um tom de cautionary tale que deixa claro que mais importante do que a forma de como os outros nos veem, é a maneira como olhamos para nós próprios. Conseguimos sentir através da lente de Aaron Schimberg – ele próprio nasceu com uma fenda lábio-palatina bilateral, uma malformação congénita que causa uma pequena deformação no rosto – a sua proximidade com o tema, especialmente pela forma como as inseguranças do protagonista são retratadas. A distância de segurança que Edward estabelece, a importância de permitir que alguém entre dentro se sua casa, o peso do toque, o desconforto de ser visto e o de ser ignorado, o constante estado de vigilância, a sensação de que todas as conversas à sua volta são de troça e os olhares de repulsa, são pequenos detalhes que conferem mais verdade e realismo a esta sátira, tornando-a mais cativante.
A maneira como os outros nos percepcionam e a forma como reagimos a isso são questões muito pessoais para Schimberg. Esta exploração através das diferenças na aparência pode ser vistas na sua filmografia, nomeadamente na sua obra anterior, Chained for Life (2018) onde já tinha trabalhado com Adam Pearson. O filme acompanha uma atriz que tem dificuldade em conectar-se com o seu co-protagonista, que tem uma desfiguração facial.
A fotografia de A Different Man é bastante escura e carregada, complementando na perfeição o seu tom dramático. A adição proeminente de grão funciona como uma espécie de pátina extra e confere uma textura mais realista aos efeitos prostéticos, que são uma peça central do filme. Esta é uma das particularidade que demonstra o esforço claro para que o tom da longa-metragem se mantenha sério apesar dos contornos humor que acaba por ter. Da mesma forma, os movimentos de câmera usados como os crash zooms low-budget conferem-lhe um ar quase documental e transmitem perfeitamente a sensação de estar constantemente no spotlight, que é uma consequência inevitável de ter um rosto tão “diferente”.
2024 marca um ano notável na carreira de Sebastian Stan. Embora tenha recebido uma nomeação para o Oscar de Melhor Ator pela sua interpretação de Donald Trump em The Apprentice (2024), foi com o papel de Edward em A Different Man que conquistou o Globo de Ouro. A forma como constrói a personalidade da personagem através da sua linguagem corporal é crucial para a narrativa, mantendo a coerência mesmo depois da sua mudança de aspeto. O filme levanta um debate importante ao utilizar um ator sem qualquer tipo de desfiguração para interpretar uma personagem com essa condição, no entanto, acaba por se encerrar dentro da própria narrativa. O elenco conta ainda com a atuação convincente de Renate Reinsve no papel de Ingrid, uma aspirante a dramaturga que desenvolve uma fixação por pessoas com desfiguração facial; e Adam Pearson cuja a presença e comportamento expansivo contrasta com os restantes elementos e preenche as cenas com uma energia magnética.
Ao ver A Different Man é impossível não pensar em The Substance (2024) pela sua proximidade temporal, e que apesar de serem peças completamente diferentes, ambos abordam o impacto que a imagem tem na forma como vivemos e como somos vistos pela sociedade, são os dois pontuados pelo body horror e levam até ao extremo as consequências das escolhas dos seus protagonistas, ainda que esse extremo tenha um limite bastante diferente em cada um deles. Ainda assim, com as suas diferenças e semelhanças, é interessante ver este tipo de produção ganhar destaque e reconhecimento. No final, ficamos com uma ligação emocional a uma máquina de escrever, algumas questões para refletir e a sensação que este filme é uma espécie de jogo do “Would You Rather…?” (Preferias…?) onde a escolha mais óbvia acaba por ser a pior.