A Complete Unknown (2024)

de Pedro Ginja

“If anyone’s gonna hold your attention on a stage, you have to kind of be a freak.”

As palavras de Dylan, segundo Chalamet, soam verdadeiras. Bem para além do parâmetro beleza, comumente associado como fundamental para o sucesso de qualquer intérprete, existe o chamado factor X bem mais importante para assegurar o legado de qualquer artista que se preze. Bob Dylan tinha em abundância e sempre foi um outsider, mesmo quando o tentaram vender como parte do sistema do qual nunca pretendeu fazer parte. E mais importante, sempre o fez pela música e nunca pela fama.

James Mangold explora a ascensão de Bob Dylan (Timothée Chalamet), aquando da sua chegada a Nova Iorque, apenas acompanhado da sua fiel companheira, a guitarra. Um encontro fortuito com o conceituado Pete Seeger (Edward Norton) abre portas para a partilha do seu talento com o mundo. Um mundo que não estava preparado para o seu espírito de liberdade musical e dos eternos rótulos, a que os artistas estavam vetados, e que Dylan tanto queria derrubar.

Com James Mangold ao comando, e na escrita do argumento juntamente com Jay Cocks e Elijah Wald, somos brindados com mais uma visão do camaleónico Bob Dylan. Com a aprovação do próprio Dylan, em relação à escolha de Chalamet, em que afirma e passo a citar: “Timmy’s a brilliant actor so I’m sure he’s going to be completely believable as me. Or a younger me. Or some other me.”. E pouco há a apontar ao actor que tem, sem dúvida, um desempenho brilhante não em imitar, mas em conjurar o espírito de Dylan. O empenho em interpretar todos os temas é de louvar e mostra um talento inesperado para os instrumentos de eleição de Dylan, a guitarra e a harmónica. Não consegue sempre reproduzir a capacidade camaleónica, brilhantemente recriada por Todd Haynes em I’m not There (2007), mas seria injusto comparar esse facto com Chalamet pois Haynes usa seis brilhantes interpretes para recriar a persona de Dylan.

Em redor de Dylan, neste A Complete Unknown, pululam muitos grandes cantautores como o já citado Pete Seeger mas também Woody Guthrie (Scoot McNairy), Joan Baez (Monica Barbaro), Johnny Cash (Boyd Holbrook) e muitos outros “jogadores” de bastidores. O argumento opta por contar a história deste período da sua vida com uma sucessão ininterrupta dos seus grandes êxitos. Nada a apontar à música escolhida, de grande qualidade, mas o excesso de canções retira a agência do homem por detrás da música. Não esperava a resolução do enigma que é Dylan mas pedia-se mais clarividência no caminho apresentado, que surge fragmentado e desequilibrado. Como em qualquer filme centrado numa única pessoa, todos os “satélites” que gravitam à sua volta sofrem com a falta de atenção mas existem dois destaques claros no extenso elenco. Monica Barbaro, como Joan Baez, com uma voz pristina e carisma para igualar Chalamet nas suas cenas em conjunto e o brilhante Scoot McNairy, como Woody Guthrie, quase sem diálogo, mas que transborda emoção em cada olhar e na linguagem corporal expansiva, numa pequena fracção de tempo quando comparado com os restantes intérpretes. Um grande talento à espera da sua oportunidade merecida.

O orçamento permite-lhe uma recriação desses loucos anos 60 e visualmente é enxuto mas demasiado limpo e plástico, o que revela inconsistência com o caos evidente dessa era. A nível sonoro a atenção é outra e é impressionante como se ouvem os dedilhares dos dedos nas guitarras, e o som claro das harmónicas e dos instrumentos eléctricos, quando chegam, em contraponto do acústico dominante inicial. Mesmo nas vozes, o facto de manter inúmeras imperfeições vocais resulta na perfeição e dá uma autenticidade a muitos dos momentos musicais. Existem alguns momentos mais especiais como “Girl from the North Country” e “It Ain’t me Babe”, ambos duetos entre Timothée Chalamet e Monica Barbaro, e o icónico concerto de Bob Dylan no Newport Film Festival em 1965, o ponto alto pelo caos presente no ecrã e no comentário que faz do mundo musical, ainda bastante refém, nos dias de hoje, dos já citados rótulos. Aliás é este momento que dá algum sentido ao filme para além do legado musical com que James Mangold nos brinda.

A Complete Unknown faz jus ao seu título e deixa Dylan como o enigma que sempre foi. A falta de respostas é a esperada mas o que deixa o amargo de boca é a falta de uma visão para além da brilhante música que Bob Dylan nos deixou. A dedicação de Timothée Chalamet em se imiscuir no universo do grande cantautor e o brilhante trabalho sonoro são, no entanto, suficientes para esquecer as suas claras fragilidades. E levou-me a revisitar a sua música o que é outra vitória por si só.

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