Dos 40 filmes portugueses estreados à data de hoje, apenas sete deles passaram os 5.000 espectadores. Números que confirmam a enorme diversidade do cinema português, não circunscrito ao cinema de autor, mas passando por documentários, animação, biopics e até alguns filmes experimentais. Os prémios continuam a chegar, cada vez em maior número, ano após ano, mas o paradigma do espectador mantém-se firme na total indiferença por aquilo que se produz em terras lusas. Os festivais de cinema, os produtores e os distribuidores continuam a tentar vencer esta dura batalha, todos ainda muito dependentes dos apoios do estado, mas esta aparenta ser uma luta inglória. A fórmula repetida todos estes anos não funciona e é necessária uma nova alternativa. Talvez seja algo possível de ser resolvido a longo prazo através da educação de um novo espectador? Uma sugestão para ficar no ar aquando da estreia do 41º filme português do ano – A Bela América de António Ferreira.
A Bela América conta a história de Lucas (Estevão Antunes), um cozinheiro de catering em que nada na sua vida parece correr bem. Após ser despejado da casa que partilha com a mãe, acaba numa situação muito precária. Com a ajuda de Vítor (João Castro Gomes), um amigo de longa data, conhece América (São José Correia), uma candidata a Presidente da República em plena campanha e logo uma intensa atracção surge. Com a ajuda do seu talento culinário procura conquistar a atenção da bela América. Conseguirá esta tentativa dar frutos?
A premissa de A Bela América é intrigante, explorando as diferenças sociais e a desigualdade de oportunidades entre quem está no topo e quem está no fundo da chamada ordem social. Aliando isto a uma história de amor improvável e um “cheirinho” de haute cuisine, tudo parece conspirar para a história funcionar mas a verdade é que não o consegue.
Somos introduzidos nesta história com o despejo de Lucas e de sua mãe, interpretada por Custódia Gallego, da sua casa de sempre para a rua. São inegáveis os paralelos com a realidade actual de tantas famílias portuguesas e por isso certas decisões não se percebem. Intitula-se de comédia do politicamente incorrecto mas de gargalhadas tem pouco e fica longe do objectivo de chocar o espectador. O sentimento é de demasiada leveza e pouca subtileza a tornar o incorrecto pouco mais do que um mero inconveniente, quando era necessário tocar e escarafunchar a ferida bem funda da crise da habitação. Do lado da criação gastronómica começa inspirada e ousada, com a introdução de ingredientes divisivos, mas com cada prato posterior, vindo da mente de Lucas, a coragem deixa de se sentir e a previsibilidade instala-se.
Nas personagens, as fragilidades são equivalentes mas nem todos merecem esta crítica. Lucas, interpretado por Estevão Antunes, começa demasiado teatral e exagerado mas consegue recuperar e mostrar algo para além de um homem desprovido de confiança. Nunca o suficiente, no entanto, para se tornar o herói que a história precisa. O mesmo acontece com São José Correia, a América do título do filme. Começa como uma caricatura de uma política desligada da realidade, como era suposto pela orientação da história, e mostra ser a mais talentosa do elenco apesar de nunca ter a oportunidade o testar. Nota-se muito pouca química entre os protagonistas com excepção de uma conversa a sós entre os dois, onde a sinceridade é o prato do dia e tão mais saborosa por isso. Fica um amargo de boca de não haver mais cenas partilhadas entre estas personagens. É perceptível a necessidade de criar um caminho de conquista, mas quando o argumento não o sabe calibrar como uma progressão e o faz como um conjunto de sketches não nos sentimos tão ligados a esta história de amor como deveriamos. Custódia Gallego é quem parece estar a divertir-se mais no seu papel pois apesar de ser uma mera caricatura leva-a até ao fim com distinção e arranca as melhores piadas do argumento. Destaque final para Daniela Claro, no seu primeiro papel numa longa-metragem, que apesar de interpretar uma personagem secundária fá-lo de uma forma bem persuasiva.
O trabalho de câmara surge tremido desde o começo. O que parece ser, ao início, uma decisão consciente de mostrar o mundo de Lucas em oscilação constante, torna-se um factor de distracção para o espectador, e acaba por prejudicar o bonito uso de luz e do trabalho de fotografia com soluções engenhosas e em constante experimentação. Era preciso menos sequências de Lucas a andar de bicicleta, menos reacções a provar comida ou menos imagens de noticiários na televisão com grafismos antiquados para se tornar um trabalho mais memorável e menos repetitivo.
Há coragem e boa escrita, bem perto do final, numa cena íntima entre América e Lucas mas é um momento isolado num filme desequilibrado desde o início. Nada de particularmente ofensivo, marcante ou original para fazer deste A Bela América o sinal de mudança que o cinema português precisa, mas confirma o caminho de diversificação intensa que uma indústria saudável precisa para triunfar.