Doze Homens, irados? Irados sim.
Mas irados sem:
a) interjeições explosivas por parte da equipa legal
b) perdas de fôlego dramáticas por parte dos jurados
c) fogo cruzado entre réus
d) um circo
Este primeiro filme de Sydney Lumet (Dog Day Afternoon, 1975; O Veredicto, 1982), baseado na telepeça de Reginald Rose, é um courthouse drama que nos tira da house e nos manda para o backroom – do court -. E é lá que se mantém durante praticamente 96 minutos da sua duração. Se esperam que 12 Angry Men seja um courthouse drama na mesma linha de outros courthouse dramas que se lhe seguiram, como: Kramer vs. Kramer (1979) de Robert Benton, A Few Good Men (1992) de Rob Reiner, ou JFK (1993) de Oliver Stone, desenganem-se, porque este filme é tudo o que não se espera que ele seja.
Numa abordagem contida, parte de uma premissa enganadoramente simples: a ideia de dúvida razoável:
“ (…) One man is dead, another man’s life is at stake, if there’s a reasonable doubt in your minds as to the guilt of the accused (…), then you must bring me a verdict of “Not Guilty”. If, however, there’s no reasonable doubt, then you must, in good conscience, find the accused “Guilty”. (…) ”.
Estas são as palavras do juiz – e as quase únicas que ouvimos fora as dos doze jurados -, e que estabelecem o mote do filme -. O que seria um veredicto aparentemente rápido de condenação deixa de o ser a partir do momento em que o Jurado No.8 (Henry Fonda, actor de filmes como Grapes of Wrath, 1940, de Tom Joad, e C’era una volta il West – Era uma Vez no Oeste -, 1968, de Sergio Leone), apresenta um voto dissonante dos restantes onze homens: “Not Guilty”. Com isto, faz cair por terra a possibilidade de uma condenação, movendo então assim a história na busca de um consenso mais favorável. Um por um, Fonda desconstrói as ideias pre-concebidas dos restantes jurados, conquistando-os através do uso das suas próprias lógicas e discursos, cheios de parcialidade, para reanalisar as provas (e os supostos factos) do crime. Um trabalho árduo que compensa e converte os 11 iniciais votos a favor de “Gulty”, em 11 votos de “Not Guilty”.
Os ânimos quentes que se fazem sentir (e que não passam só pelos temperamentos de alguns dos jurados) são reflectidos também nas temperaturas elevadas daquele que se anuncia como sendo o “dia mais quente do ano”, nesta Nova-Iorque de 1957, onde o calor parece aumentar de forma directamente proporcional ao nível dos ânimos, tornando-se para nós, a tensão num elemento palpável e corpóreo.
É um filme que, pelo uso económico de décors e com um mise-en-scène astuto e excelente trabalho de câmara com interessante uso de diferentes objectivas e tipologias de plano, lembra outros (ou melhor, outros lembram este), sendo alguns exemplos disto: Phone Booth (2002) de Joel Schumacher / Hateful Eight (2015) de Quentin Tarantino / Rope (1948) e Rear Window (1954) de Alfred Hitchcock / Locke (2014) de Steven Knight. Também estes contam histórias quase integralmente movidas por diálogo, mas confinadas em pequenos espaços, abordando acesos debates internos e de valor das suas personagens, sempre com um olhar voyeurísticamente perverso.
Os jurados são retratados de forma incidente e indirecta: não se fazem anunciar; não são gritantes. Não se definem pelos seus nomes – à excepção dos Jurados No.8 e No.9 (Henry Fonda e Joseph Sweeney), ou histórias – à excepção dos Jurados No.5 e No.11 (Jack Klugman e George Voskovec), mas sim pela dinâmica das ações que mantêm com o espaço, com os outros, e consigo mesmos.
Demográficos de várias idades; vidas; ideias; preceitos; pré-conceitos e preconceitos, tecidos numa história que não envelhece. Os pontos de vista simbolicamente representados por cada um dos jurados (xenofobia; apatia; justiça; racismo; classismo, entre outros) são conteúdo intemporal, hoje mais do que nunca, nesta realidade Orwelliana pós-Trumpista que hoje vivemos -. É um breve estudo sociológico da sociedade americana pré-anos 60, mas que não se sente datado, pela sua universalidade.
O fulgor com que estes doze homens falam, a sua exaustão, a falta de paciência, irritabilidade e desconsertação, são visíveis nos seus rostos, por entre expressões vincadas e rios de suor, numa construção minimal e inteligente que pela forma contida, fervorosa, e subtil pela qual a ação se desenrola, se expande muito para lá dos limites das quatro paredes da sala onde estes doze homens se encontram confinados.
Ponto a ponto os factos são escrutinados. As verdades que antes pareciam óbvias e irrevogáveis, são questionadas e progressivamente, destituídas do seu lugar enquanto verdades. Os factos mudam, e as pessoas também, e com isto muda também eventualmente, o veredicto, chegando os doze ao consenso de “não culpado”.
Segue-se o seguinte: as quase últimas linhas de diálogo, do – quase – último episódio da série seminal de anime de 1995: Shinseiki Evangerion (Neon Genesis Evangelion), realizado por Hideaki Anno. Palavras apropriadas e simbólicas, porque mais do que um filme sobre “preceitos” e “dúvida razoável”, 12 Angry Men é um filme sobre a natureza frágil, parcial e plástica da nossa verdade.
HYUGA: But it’s your mind which takes reality and separates it into what’s bad and hateful. AOBA: It is only the mind which separates reality from truth.
MAYA: The angle of view and the position from which you view your reality, will change your perception of its nature. It is all, literally, a matter of perspective.
KAJI: There are as many truths as there are people.
KENSUKE: But there is only one truth that is your truth. That’s the one that’s formed from whatever point of view that you choose to view it from! It’s a revised perception, that protects you! And one can have a perspective that’s far too small!
HIKARI: However, a person can only see things from the perspective that they choose to see them from.
ASUKA: One must learn to judge things via the perceived truths that one receives from others.
FUYUTSUKI: Your truth can be changed simply by the way you accept it. That’s how fragile the truth, for a human, is.
KAJI: A person’s truth is so simple, that most ignore it, to concentrate on what they think are deeper truths
As (nossas) verdades, como as dos doze jurados, não são realidades; não são factos; mas sim construções sobre o real pela óptica da nossa própria parcialidade, e é por isso devem estar sempre abertas a ser questionadas: porque as nossas verdades, como as dos doze jurados, não passam disso: as nossas (verdades). Um bom filme, que orbita em torno da discordância e refutabilidade da suposta verdade, e que nos deixa a pensar sobre as implicações nossas próprias parcialidades.
*Artigo escrito ao abrigo do antigo Acordo Ortográfico.